Tem uma característica dela da qual me orgulho muito: brinca com qualquer criança ou adulto, em qualquer lugar e com qualquer tipo de brinquedo. Ela não faz exigências, não delimita com quem é certo brincar ou de que brincadeira. Ela simplesmente se adapta. Isso é ser humano, ela intuitivamente sacou que ela está no mundo e não que o mundo está para ela como muito se vê por aí.
Brinca com as meninas de casinha, bonecas e com objetos cor-de-rosa e cheio de detalhes e fescurites. Brinca com os meninos de pega-pega, carrinhos, bonecos, bola, bicicleta. Ama um parquinho, com balanço, gangorra e escorregador. Brinca com o irmão, que é onze anos mais velho, de lutinha(!), esconde-esconde e de fazer bullying com ele - ela se aproveita do fato dele não poder reclamar e senta à mão chateia ele. Fica bem sozinha, com seus brinquedos, jogos e milhares de desenhos e tentativas de escrever. Desconhecidos também não são problema: ela dá um jeito de se infiltrar e quando vejo já está brincando e rindo com aquelas crianças que ela não sabe o nome.
Mas eu achava que isso tinha limites. E estava errada. Ontem recebemos a visita de um casal cujo filho tem a mesma idade dela e está sendo diagnosticado como autista. Segundo a mãe dele, normalmente ele não interage muito, e rejeita crianças. Como não fala quase nada e ainda carrega traços de bebê, como usar fraldas, a maior parte das crianças também reage mal à ele.
Eis que tivemos uma tarde ótima. Não falamos nada para ela sobre ele ser como é. Para ela era mais uma criança, então ela observou um pouco e logo sacou como a coisa ia rolar. Deixou ele mexer e espalhar seus brinquedos, ia perto quando ele deixava, quando ele se fechava ela ia pro jardim fazer outras coisas. Catou o biscoito dele pra comer e toda hora ia até ele oferecer - e ele aceitou! O menino ficou numa boa, relaxou, baixou a guarda e teve uma tarde tranquila.
Eu não havia me tocado do porque de tudo ter sido "suave na nave" até que a mãe dele falou que de nada adiantaria o gramado, colchão, e o tempo bom se a Lara não tivesse sido como foi com ele.
Fiquei envaidecida, mas nem é mérito meu. Não se ensina alguém a ser assim. A gente ensina a ser educado, a dividir e não dar escândalo. Mas como posso ter ensinado a ser boa? A ter a flexibilidade de adaptar-se às necessidades dos outros, saber que com um ela pode comandar a brincadeira aos gritos e com outro ela tem que ir pianinho, comendo pelas beiradas?
Os profissionais chamam de inteligência emocional. Eu chamo de Laroca - cara - de - pipoca.